LEITURA EM DIAGONAL DA CAMPBELL´S SOUP
Andy Warhol, Campbell's Soup Can 1953-1967
Como comer uma sopa que, ao ser
representada, é apenas um invólucro? Como invólucro a verdade da sopa, que é a
sua utilidade, não existe. Como consumir o conteúdo da lata de
sopa sem dela necessitar? Esta irredutibilidade da lata faz parte da sua
utilidade.
Como objecto exterior a lata pode
conter sopa ou estar vazia. Só se decide a utilidade quando se puder comê-la,
ou seja, quando se materializar em objecto real e presente a alguém.
A imitação da lata, ou se exibe na
parede, ou na prateira do supermercado. Podemos afirmar que ser útil ou não
é-nos indiferente, e que é precisamente aí que reside o seu ser arte. Mas a
arte pode ser também útil se considerarmos a lata como anunciação de que
algures, no mercado, existe um objecto assim que contém (de acordo com a
indicação da necessidade sopa) algo de comestível.
O propósito das latas em geral é
conterem uma matéria. Há latas de sopa, de atum, de salsichas, etc… A lata pode
ser uma generalidade ou um objecto concreto. Só depois de possuir o objecto é
que se apreende o seu ser; abrimos a lata.
O indivíduo come a sopa e fica com
uma lata vazia, ou, deita-a fora, ou reutiliza-a como por exemplo para guardar
lápis.
Será que Warhol aproveita a lata
vazia? Porque não representá-la aberta?
Só sei que a lata Campbell contém
sopa por ter visto a reprodução de Warhol. Também posso duvidar, por
desconhecimento, de que a sopa existe para além da mera lata, ou melhor, da sua
imagem.
O que esconde, e que indica a presença
de um produto que nos alimenta, vai de encontro às necessidades do homem: a de se
alimentar através de algo que podemos adquirir por ser vendido em lata.
Como lata sem utilidade, a sopa
Campbell é mais valiosa do que quando está exposta numa prateleira de
supermercado. Esta diferença é alquímica e vai contra as previsões materiais.
Diz respeito a uma hierarquia das necessidades, invertendo-a. O inútil é mais
valioso do que a utilidade.
O inútil é a série de latas de
Warhol. Mas será a arte uma necessidade? Pelo menos circula e é vista e é uma
realidade tipicamente humana.
Mas a arte surge para ser vista e é
nesta que Warhol vacila. A obra de arte tem ou não prioridade em relação à
ideia? Esta pode ser discutida e mesmo compreendida. Parece que actualmente a
ideia leva vantagem sobre a obra. Esta questão atravessa a arte contemporânea.
Nuno Renato Marques
Grata pela dissertação filosófica, Nuno, acho que o Warhol teria muito gosto em discutir estas questões consigo... entre nós, continuam em aberto, claro.
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