Branca de Neve, Paula Rego



Nascida em Lisboa, Paula Rego completou 84 anos em Janeiro de 2019. Começou a desenhar ainda em criança e partiu para a capital britânica aos 17 anos. Apesar do seu desenvolvimento artístico ter sido em Londres, sentiu-se sempre influenciada pelas suas origens, pela cultura, pelo seu imaginário infantil e nunca deixou de as representar nas suas obras. O trabalho da artística, tem uma ligação entre a Literatura e as Artes Visuais, onde encontramos o cruzamento entre os percursos lógicos narrativos e a procura nos seus quadros reivindicá-los e dar uma nova compreensão do universo feminino.
Paula Rego não hesita em denunciar situações sociais urgentes como o aborto, a violência doméstica, o tráfico humano, maus tratos a crianças ou excisão feminina e ainda temas políticos como o abuso do poder. Distanciando-se dos cânones de beleza convencionais, usando muitas vezes o grotesco como forma de expressão, explorando múltiplos pontos de vista em cada temática, conquistando a atenção dos espetadores e convidando-os à reflexão. Na sua obra, as relações entre crianças e adultos são muitas vezes ambíguas, com narrativas complexas, exigindo uma observação atenta e sujeitas a múltiplas interpretações. Encontramos ainda nas suas obras, mulheres que são representadas com corpos fortes e robustos, deixando para trás a elegância e fragilidade que costuma estar sempre associado. 
Ao trabalhar sobre obras para crianças, Paula Rego revisita a infância, perpetuando-a não da forma tradicional, mas dando às histórias uma interpretação diferente da esperada para os contos infantis, recriando-as, subvertendo-as, retirando-lhes a inocência e dando-lhes uma forte componente sexual e erótica.Segundo Paula Rego, a Branca de Neve da Disney é um filme com grande significado para as meninas porque é romântico, motivo pelo qual não lhe mudou a essência, tendo apenas contado a história de maneira diferente.
A série Snow White é composta por cinco quadros. Destes destacam-se dois, pela sua temática das relações conturbadas entre Branca de Neve e a madrasta. Tal como no imaginário infantil, a história assenta numa relação de conflito e rivalidade entre uma menina e a sua madrasta, que continua a ser malvada, invejosa e ciumenta, capaz de dar a comer uma maçã envenenada.
Em Branca de Neve Engole a Maçã Envenenada, Branca de Neve, uma princesa com face de meia-idade, agoniza, engasgada por ter comido a maçã, mas, ainda assim, tem a presença de espírito suficiente para tapar as coxas de modo a não ficar descomposta à vista da madrasta, por isso, puxa o seu vestido para baixo. Na minha interpretação, Branca de Neve tem esse gesto por uma questão de educação e modéstia, mas pode também aludir à sua natureza sexual, aos mitos socialmente impostos sobre o valor da virgindade e o receio da violação. Neste ponto da narrativa, Paula Rego parece sentir alguma compaixão pela madrasta, já que a princesa não será tão inocente como registámos no nosso imaginário infantil.



Em Branca de Neve a Brincar com os Troféus do Pai, aparece vestida de branco, simbolizando inocência, pureza e virgindade, apesar do seu rosto de mais idade. No entanto, a branca e inocente Branca de Neve, vítima nas mãos da madrasta malvada, dá lugar a uma menina moderna, caprichosa, mimada e sem regras, a despertar para a sexualidade, que compete com uma mulher mais velha. Com a cabeça de veado no colo e as pernas abertas, com uma expressão de desafio, disputa o pai com a madrasta que, em teoria, terá tomado o lugar da sua mãe.
        Aparentemente, Branca de Neve ganha esta batalha uma vez que, num canto afastado, ajoelhada, a madrasta responde com desdém e inveja. Paula Rego considera que se trata, afinal, do conflito psicológico entre duas gerações de mulheres e, nesta cena, a pintora parece claramente tomar o partido da princesa. A temática do envelhecimento e consequente perda de vigor e de beleza não se esgota na abordagem de Paula Rego ao conto de Branca de Neve, sendo também um dos pontos fortes do trabalho da artista sobre Fantasia. Tendo em atenção esta característica e o facto de não se tratar de um conto para crianças adaptado ao cinema, mas de um conjunto de segmentos animados, acompanhados por peças de música clássica, optou-se por abordar Fantasia no capítulo dedicado aos aspetos sociopolítico e feminino. 


Lia Lourenço 150389

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