Joker



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Depois do tão adorado Joker, interpretado por Heath Ledger, em The Dark Knight, muito se esperou pelo filme que o vilão viria a  protagonizar, com estreia marcada para outubro de 2019. Mas Joker não é um filme de vilões e super-heróis, ao contrário do que alguns esperavam. Quando muito, pode ser a legitimação do que o tornou no vilão que conhecemos.

Em Gotham, por volta da década de oitenta, os ricos estão cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. Uma crise de lixo e um altíssimo índice de criminalidade assolam a cidade. Joaquin Phoenix dá vida à personagem protagonista Arthur Fleck, que trabalha como palhaço, mas almeja tornar-se um reconhecido comediante.

Arthur é vítima de descriminação constante por parte de uma sociedade pútrida e severa com quem não se insere na norma: não só por meio de julgamentos verbalizados ou exclusão social, mas também por violência física. Em várias cenas, vemos Arthur Fleck a ser violentamente atacado, sem capacidade de reação, acumulando um sentimento de repúdio pelas pessoas na sua generalidade.

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Por sofrer de uma condição que lhe causa riso descontrolado, como uma reação involuntária não correspondente às suas emoções, faz regularmente sessões de terapia. Nestas sessões, e noutros momentos, temos acesso a algumas mensagens que Arthur escreve numa espécie de diáro, sendo uma delas "The worst part of having a mental illness is people expect you to behave as if you don't".

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A profundidade do sofrimento da personagem é continuamente explorada ao longo do filme. Apesar de, ironicamente, a sua mãe lhe chamar Happy e ter-lhe sempre dito que ele havia vindo ao mundo para fazer as pessoas sorrir, Arthur foi sempre infeliz.
A sua revolta aumenta devido a diversas situações por que vai passando, sentindo-se cada vez mais só e desconsiderado, tanto pelas pessoas mais próximas, como pelo sistema socioeconómico e político. Gradualmente, testemunhamos a transformação interior e exterior que o leva a abraçar o crime, assumindo a personalidade de Joker e todas as características físicas e psicológicas associadas a este vilão.


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O modo como o filme humaniza a personagem, leva-nos a ver motivos para desculpabilizar alguém que, efetivamente, encontra a felicidade na matança, na vingança e na resposta violenta que finalmente tem a capacidade de dar a todas as injustiças que vivencia. E esta é uma questão que tem feito alguma confusão a muitos: não vemos só violência como resposta a frustrações, vemos razões profundas e “plausíveis” que a justificam, fazendo-nos identificar com um assassino em série.
Essa questão causa-me alguma (senão demasiada) inquietação, tal como o filme, do início ao fim. Ao sair da sala de cinema recordei uma aula de O Estudo da Literatura em que a professora comentou que a qualidade de uma obra de arte reside muitas vezes no desconforto que nos causa pela sua intensidade; daí a necessidade de fazermos uma pausa na leitura de um livro porque nos está a afetar emocionalmente ou a causar um certo nível de perturbação.
Podemos aplicar este conceito a outras formas de arte. Na aula em que isso foi referido pensei no facto de tal nunca me ter acontecido, mas quando acabei de ver o filme reconheci essas sensações. A emoção representada é tão crua que nos sentimos, de facto, inquietos, desconfortáveis, mas empáticos durante todo o filme. 
A interpretação e entrega de Joaquin Phoenix são incríveis e irrepreensíveis. Vemos cenas reveladoras de uma performance arrepiante, nomeadamente, quando Arthur se ri descontroladamente, mas revela uma tristeza profunda no olhar. Só quando se transforma definitivamente no Joker, vemos um riso e um sorriso em que transparece a tão esperada felicidade. 
Como já referi, este filme levanta questões morais profundas, que fomentam opiniões diversas. Embora pense que a arte não deve ser censurada, considero necessário meditar seriamente em todas as suas leituras e problemáticas.

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Joker é um filme que desenvolve muito bem hipóteses de formação de um vilão do qual não sabemos a verdadeira história. Estamos perante um enredo que nos deixa algumas questões em aberto e muitas possibilidades de interpretação, gerando discussão, sem nos apresentar uma resposta concreta e conclusiva. Para mim, a incógnita é bastante apelativa quando acabo de ver um filme. Gosto de um filme misterioso, que me deixe a pensar, que me faça ir pesquisar e me conceda a liberdade de retirar diversas ilações e cosntruir diferentes perspetivas.

Há por aí alguém que tenha visto ou ainda queira ver o filme? Partilhem as vossas opiniões!

Ana Catarina Mendes



Comentários

  1. De facto, a arte é um dos meios encontrados pelo ser humano para explorar o mistério e o facto de que, ao contrário do que a nossa razão quer acreditar, a vida é de uma complexidade estonteante que pede mais compaixão do que julgamento.

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