ENTREVISTA A MARGARIDA FLEMING

"ANTI-FACE" de Margarida Fleming

Entrevista por: Daniela Lesco

 Fotografia da exposição “ANTI-FACE” de Margarida Fleming, 2019 


P: Fala-me um pouco sobre ti. 
R: A minha formação não é em Belas Artes. Estudei Arquitetura e também Design Gráfico. Trabalhei durante um ano como arquiteta, e ainda faço Design Gráfico, mas a Pintura foi sempre a minha paixão. Lembro-me de, ainda miúda, pintar e experimentar diferentes técnicas, pelo que fui aprendendo sozinha, a experimentar. Também li bastantes livros sobre artistas, mas tenho levado a pintura mais a sério de há 7, 8 anos para cá. Foi também quando comecei a fazer exposições e a vender as minhas obras, tendo já feito cerca de 5 exposições aqui em Lisboa.  

P: Sobre o que se debruça esta exposição (ANTI-FACE)? 
R: Nesta exposição abordo o tema das máscaras que usamos no dia-a-dia – todos nós usamos máscaras por várias razões, em determinadas situações ou para certas pessoas, o que não nos torna super-heróis, mas sim, “pessoas normais”. No fundo, é como se fosse um baile de máscaras, onde todos nós usamos a nossa máscara, umas mais visíveis que outras.

P: Foste tu que escreveste o texto que dá início à exposição? Considera-lo parte da exposição enquanto obra, ou apenas uma introdução à “viagem”?  
R: Fui eu que o escrevi. Considero-o mais como uma introdução, talvez também um “quê” de Design Gráfico. O pano sobre o qual o texto pende também lhe dá um ar mais dramático, ligado à forma como elas (os retratos femininos das pinturas) têm os lenços, portanto esta exposição do tecido fazia sentido.  

P: Os retratos das obras expostas são autorretratos? 
R: Não, não são autorretratos, mas é interessante, porque já várias pessoas me perguntaram o mesmo e disseram-me que há uma semelhança entre o meu rosto e os retratos que pintei. Perguntam-me também se são todas a mesma personagem, ou se tenho alguma personagem como referência. Eu não sei responder a esta pergunta, porque, na verdade, realmente elas têm todas características que as unem, como os pescoços compridos, o nariz acentuado, os olhos claros, as sobrancelhas mais grossas, mas acho que essas especificidades fazem parte das minhas personagens – sou eu que invento as personagens.


P: Uma das características das tuas obras são os olhos hiper-realistas, nas quais os mesmos são originais de revistas para depois pintares à volta. É o caso da “ANTIFACE”? 
R: Não, o formato tela é sempre um pouco diferente. Eu distingo duas técnicas no meu trabalho: uma sobre tela e outra sobre papel. Quando pinto em tela, tento ao máximo que os olhos fiquem realistas, mas também a boca e o nariz e depois é completamente livre, havendo 
este contraste entre o realista e o mais expressionista. Por outro lado, quando pinto sobre papel, é sempre sobre fotografia ou revista, onde deixo os olhos do original e o resto é completamente transformado por mim, noutra personagem. Portanto, voltando à outra questão, as personagens são criadas por mim.  

P: Qual é o teu processo criativo?  
R: É muito à base da intuição. Não tenho uma imagem final onde eu queira chegar, no entanto posso ter um tema e trabalhar sobre ele como neste caso, que foi o tema das máscaras. Portanto, à medida que vou pintando, vou percebendo qual é o caminho.  

P: Pintaste estas telas especificamente para esta exposição, ou reuniste obras já feitas que correspondessem ao tema?  
R: Foram mesmo feitas para esta exposição, e também já conhecia o espaço que tem um ar mais teatral, o que me levou a pensar um pouco nele durante a produção das obras, mas não na totalidade. 

P: Quanto tempo levaste a pintá-las?  
R: Não sei especificar, mas comecei a trabalhar por volta do mês de Março deste ano.

P: Só pintas rostos femininos. É relacionado com a emancipação da mulher?  
R: De certa forma, sim. Em todos os retratos são representadas diferentes mulheres com atitude, segurança no olhar e postura confiante, nos quais vou também buscar um pouco da tradição portuguesa, com orgulho, trazendo contemporaneidade precisamente através dessa postura que emite segurança em cada uma das personagens. De certa forma, acho que a beleza feminina consegue ser sensível e ao mesmo tempo forte. Ou seja, os traços físicos são delicados, mas têm uma grande carga, não querendo significar fraqueza. 

P: Relativamente à disposição dos quadros, existe alguma lógica?  
R: Tentei que houvesse algum contraste claro-escuro entre as paredes da sala e os fundos dos meus quadros, e também que o primeiro e o último quadro fossem os mais impactantes. Mas de uma forma geral, todo o meu trabalho é intuitivo, pelo que vou pondo e retirando o que quer que seja conforme aquilo que vou sentindo que fica melhor ou pior. 

P: Fala-me sobre o nome que escolheste para a exposição.  
R: ANTI-FACE tem a ver com a questão das máscaras, e achei graça ao facto de ser contraditório, na medida em que o "ANTI" está como contradição para aquilo que eu faço, que são retratos; representações de "FACE". 

P: Por fim, consideras a exposição em si, um autorretrato teu? 
R: Não vou responder que não, porque, como disse no início, toda a gente tem máscaras, inclusive eu. Às vezes até temos máscaras para nós próprios. Eu tento ao máximo não ter essas máscaras, mas acho que é difícil, porque são uma forma de nos protegermos. No fundo, são mecanismos de defesa.
Portanto, respondendo à pergunta, sim, posso dizer que esta exposição é um autorretrato. 


 Fotografia da exposição “ANTI-FACE” de Margarida Fleming, 2019 

D: Na busca de uma exposição para redigir a crítica, encontrei a Margarida Fleming, pintora contemporânea portuguesa, que estava a expor na galeria Art Room, no Príncipe Real, e que se mostrou disponível para conversar um pouco comigo. Decidi partilhar a "entrevista" que lhe fiz, não só motivada pelo meu trabalho sobre a exposição "ANTI-FACE", como também por curiosidade pessoal. Achei, também, bastante pertinentes estas reflexões para o que virá a ser o nosso autorretrato como trabalho conclusivo da cadeira.

Daniela Lesco

Comentários

  1. Grata, Daniela, ficamos aqui com um valioso recurso sobre a obra desta artista.

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