Esta sou eu. Estas são as minhas relíquias e este é o meu relicário.
O meu
auto-retrato foi-se formando à medida que fui recolhendo e coleccionando
pequenas folhas e pequenas flores e guardando-as dentro de livros. Sempre gostei de coleccionar objectos
naturais, que vou encontrando à minha volta. Sempre me senti intuitivamente atraída
por texturas, cores e formas orgânicas. E de que forma é que me posso eu
representar através destas naturezas mortas? Fui aos poucos percebendo que à
semelhança de todas estas plantas que iam secando dentro dos meus livros,
também eu envelheço, também eu me decomponho, também eu me fragmento. Sempre
gostei desta característica da vida que é a decomposição, em que tudo o que é
vivo há de morrer. O meu auto-retrato sustenta-se entre dois vidros, à
semelhança de uma pinga de sangue, ou de qualquer outro fluido, numa lamela
para ser vista ao microscópio. Também sempre gostei de microscópios e de ver as
coisas de muito perto, onde há mais vida, mais texturas e mais cores. Os
objectos que coleccionei e que compus entre estes dois vidros fazem parte de
mim e do mundo em que vivo. Alguns já estavam guardados entre páginas de livros
há uns tempos, outros não. Também estas folhas mais novas, mortas há menos
tempo, se vão decompor, secando. Mas mantendo os seus esqueletos. Vou poder
observá-las a envelhecer, assim como eu envelhecerei. O vidro tem ainda esta
característica que é a transparência – deixa passar a luz. E deixa-nos ver o
que está do outro lado, mas nunca deixa de ser uma fronteira. De um lado posso
estar eu, do outro vocês.
Sancha Melo Vaz Pinto
149003
Maio de 2019
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